segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Inauguração de CUIDADO! A ARTE PODE MATAR de Eusébio Almeida


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Inaugurou em 22 de Novembro pelas 21 horas, a exposição Cuidado! A arte pode matar de Eusébio Almeida.Esta exposição continua no seguimento do ciclo de exposições 2x8 apresentando novas produções deste grupo de artistas.Eusébio Almeida apresenta-nos uma instalação que estará patente até dia 27 de Novembro.



CUIDADO! A arte pode matar

«A arte é uma droga que gera dependência»
Duchamp

Para criar um poema basta escrever uma palavra numa página qualquer. Qualquer palavra pode ser uma nova página da história do mundo, desde que o mundo não seja uma página em branco (desde que a brancura das frases não sejam um mero refúgio e os homens não se transformem apenas em pedaços de pedra). A verdade é que as pedras são imagens invertidas depois de reflectidas no espelho da água que acabo de beber. A água, neste caso, está no centro das palavras que acabo de escrever. Vou acreditar que as palavras que acabo de escrever não existem ou que existem apenas dentro duma espécie de narrativa virtual. O real dentro do virtual. O virtual dentro do real (a confusão é total). A encenação especulativa esgota-se aqui (só conheço o que conheço, o resto não interessa para nada). A verdade, porém, é que o pulmão da escrita ainda é o mundo (que carece de provas para poder existir à margem da ficção). Por isso é que somos uma parte daquilo que negamos. Aliás, negamos a existência para poder existir melhor. A melhor parte do mundo é sabermos que a realidade pode ser um espelho demasiado enganador.

É que os espelhos são simulações aproximadas do orgasmo. Os orgasmos, esses, são experiências de mera sedução. Seduzir é ser fiel a uma máquina (mesmo que de ficção). Sei que preciso pelo menos de uma imagem. Agarro na mochila, e fujo com essa imagem dentro do bolso. Embrulho-me nas costas da imagem. Só me interessam as costas da imagem. Fujo com uma imagem dentro do bolso, só assim é que consigo resgatar a primeira imagem do mundo. Só assim é que consigo acreditar que ainda é possível partir de novo. Parte da viagem nasce do consolo de saber que não tenho os pés encostados às costas, e que as costas não pertencem à geografia instável do crânio, e que o crânio é uma máquina diferente da máquina com que mastigo os alimentos (o mundo é uma parte do estômago).

Basta colocar uma venda nos olhos para acreditar naquilo que acabo de escrever. Para acreditar no futuro basta tomar um comprimido (verde-amarelo-azul-laranja-roxo), neste caso, tanto faz, desde que se cuspam para fora do instante a transformar pela dor instantânea do devir. Experimentar-cair-levantar (tudo em nome da grande personagem do século). A grande personagem do século é o perigo do eterno caminhar (do não ter de chegar). Eu sei que perdemos a bússola, que perdemos o mapa (mas a cabeça ainda é uma ponte que nos pode ligar à outra margem). Ainda nos resta acreditar que a vida não se resume a um simples «negativo do mundo» (não basta procurar uma simples bolha de protecção). É preciso acreditar que é possível inventar um novo paraíso (simular é preciso). Nós sabemos que a máquina não pára de ganir. Não vale a pena parar a máquina.


É preciso é não abandonar o barco. É preciso é abrandar o passo. Não caminhar tanto. Respirar um pouco de ar puro. Ouvir uma música de Miles Davis. Um poema de Rimbaud. Uma história de Sarah Kane, etc. Ou então escutar apenas o silêncio de uma viagem que arde sem parar. A mochila, essa, continua às costas. Amanhã regresso de Nova Iorque. Depois vou para Berlim. Entretanto regresso novamente a Lisboa. O comboio, o barco, o avião partem todos às 6 da manhã. Lembrar ou não lembrar, já pouco importa. Agora preciso é de abrir os olhos e lentamente erguer a cabeça em direcção ao tecto deste museu (olhar para este tecto é como fotografar as baratas que não consigo matar). Tenho a cabeça a arder só de imaginar que não posso voltar as costas ao futuro (o futuro é uma máquina de fazer regressar o presente ao passado). Valerá a pena fugir? A minha sorte é que as baratas não mordem, e o futuro está prestes a chegar. Para isso basta carregar no botão e o mundo deixará de existir. Deixará de existir................................................................................


Há paredes que são eternas. Há animais que vivem mais do que os homens. Há pessoas que nunca chegam a nascer. Há deuses do tamanho das migalhas. Há museus que não servem para nada. O barco está prestes a partir. O melhor é parar de pensar, caso contrário, já não consigo fugir deste enredo que nos pode matar…

Miguel Amaro (Curador e Crítico de Arte)
Lisboa/Constância

Eusébio Almeida contacto: eusebiomalmeida@iol.pt e eusebio666@sapo.pt

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