terça-feira, 13 de novembro de 2007

Inauguração Walking Around de David Etxeberria


apoio: Galeria Arteko

Inaugurou em 15 de Novembro pelas 21 horas, a exposição Walking Around de David Etxeberria.
Esta exposição continua no seguimento do ciclo de exposições 2x8 apresentando novas produções deste grupo de artistas.
David Etxeberria apresenta-nos uma instalação vídeo que estará patente até dia 20 de Novembro.








Sair?

«Ao invés do caminho que me levaria a procurar o rigor da tradução de Walking Around, preferi pensar e usar, para mim próprio, a expressão “andar por aí”. Talvez tenha sido colhida de forma arbitrária, por palavras, que ouvi ou que troquei, atiradas de lembranças cruzadas com outras coisas que me ocorreram. Poderia ser até uma outra forma, como “andar às voltas” ou “dar umas voltas”. O facto é que não sei porque me deixei ir numa espécie de deriva das palavras que me apareceram e das suas ligações sem nenhuma preocupação com a tradução. Sem querer saber se o sentido inscrito no título em inglês tem o mesmo valor e a mesma pregnância em português. Mas a deriva é sujeita a surpresas, e uma delas foi ter encontrado uma passagem de um poema de Pablo Neruda, escrito em castelhano mas que se intitula, também, Walking Around :

Sucede que me canso de mis pies y mis uñas
y mi pelo y mi sombra.
Sucede que me canso de ser hombre
[1]

A obra de David Etxeberria, Walking Around, propõem-nos uma curta viagem em circuito fechado. Numa cidade, num espaço habitado por gente que não conheceremos nunca. Com casas de porta aberta onde estão a passar-se acções, reuniões, ou o que quer que seja. Sabemos que está a passar-se algo, mas só o sabemos por instantes. E isso é tudo o que saberemos em definitivo.
Ao longo do caminho, que o autor nos propõe, produz-se uma certa ambiguidade que emerge da posição que ocupamos como espectadores. O ponto de vista é muito baixo, rente ao chão. Ao nível da rua, mesmo nos lugares públicos para onde somos levados como se fossemos um qualquer animal rastejante.


A diferença está na presença de um par de sapatos, que numa primeira abordagem não nos revela nada. São sapatos que não andam, nem correm, mas sapatos que deslizam. Por vezes movem-se a grande velocidade, mas não correm, porque não há corpo, pé, tornozelo, ou meia que calce estes sapatos. Outro factor disruptivo de uma pretensa narrativa, e que se torna intrigante, e até por breves momentos irritante, tem a ver com o tipo de sapatos. Estes, são um modelo mais apropriado para dançar o Swing, ou semelhantes a um outro destinado a pisar campos de golf (há ainda infinitas hipóteses para o seu uso). David Etxeberria empurra-nos, ou melhor aspira-nos, para um ambiente de estranheza, quase absurdo, imerso por um invólucro sonoro que nos induz numa atmosfera típica de uma twilight zone. O que ele procura é o que resta da nossa memória pela similitude com elementos fetichizados que se referem a alguns exemplos do universo cinematográfico. Os sapatos funcionam como um cliché que empresta uma figuração, uma presença falsa ou ficcional de uma personagem. Masculina? Um gangster ou um dandy de porte aprumado? Outras personagens ocorrem em narrativas ligadas a um estatuto de diferença apartada do quotidiano do homem comum. Embora possa parecer uma primeira aproximação mais óbvia e recorrente no universo das imagens que consumimos, e algumas vezes retemos, estes sapatos são “aquele” que está à margem, que não participa, mas que persegue essa necessidade humana. Como se fossem um intruso clandestino que desliza e entra, e torna a sair num corrupio em que apenas vemos tacos de soalho, mosaicos, pernas e rodapés. Outros sapatos, muitos tipos de sapatos, e desta forma uma diversidade de corpos que se mexem. Dentro de todos esses sapatos estão pessoas que mais não são do que figuras anónimas que se mexem e sussurram.
Nesta deambulação transparece uma sensação de perda, ou de solidão num par de sapatos sem corpo, a andar por aí. Walking Around contraria o desejo simples, expectante e comummente humano de sair, de “dar uma volta”, ou encontrar alguém. Espairecer, tentar ir ao mundo das pessoas e tocar-lhe.
Há, nesta obra, qualquer coisa que causa estranheza. Como se fosse uma desconfiança? Uma dúvida? Uma decepção? Ou uma inquietação?»


João Silvério
Setembro de 2007





[1] Acontece que me canso de meus pés e minhas unhas
e meu cabelo e minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.


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